Meses antes da aplicação da EUDR, União Europeia usa proposta de adiamento para tentar mudar regras e proteger países-membros.
Em 1° de outubro de 2024, a Comissão da União Europeia propôs adiar a aplicação da Regulação do Desmatamento (EUDR, em inglês) de 30 de dezembro de 2024 para 2025. Em transição desde 2023, a controversa EUDR é a regulação europeia para impedir a entrada de produtos ligados a desmatamento no mercado europeu, com foco em cadeias produtivas como as de madeira, cacau, soja, carne bovina e café.
Ao proibir a entrada de produtos provenientes de áreas desmatadas após 2020, a medida exige que os operadores europeus submetam as mercadorias a um processo de due dilligence para comprovação de sua origem. O nível de detalhamento exigido varia conforme o nível de risco atribuído ao país de origem – que, no texto original da legislação, inclui categorias de risco baixo, padrão e alto. Além de critérios ambientais, a União Europeia se resguarda ao direito de considerar critérios políticos, penalizando países-alvos de sanções internacionais.
Enquanto os compromissos legais da EUDR não estão vigentes, seus princípios já afetam o comércio internacional. Alegando o interesse em fazer cumprir os princípios da norma, em outubro de 2024 empresas do setor agroalimentar europeu decidiram pela suspensão de compra de soja brasileira. Desde sua proposição, a EUDR é amplamente criticada pelos principais parceiros comerciais da UE para os produtos afetados, como Brasil, Índia e Austrália. A medida é vista como punitivista e arbitrária ao impor critérios europeus com primazia sobre as legislações locais. Após contestações na Organização Mundial do Comércio, pressão internacional e reivindicações de seu próprio setor agrícola, a União Europeia agora reabre as discussões sobre a aplicação da EUDR.
A proposta da Comissão Europeia se limitava a prorrogar a aplicação da norma em 12 meses e adiar em 6 meses a publicação da classificação do nível de risco dos países, para junho de 2025. Contrariando o direcionamento de não reabrir discussões sobre o escopo da EUDR, em 14 de novembro de 2024 o Parlamento aprovou o adiamento com emendas que alteram substancialmente a aplicação da norma.
A principal mudança é a criação da categoria de "Risco Zero", que simplifica a fiscalização e reduz custos para produtos originários dos países assim classificados. Para obtê-la, o país deve apresentar estabilidade ou aumento em sua cobertura vegetal. O critério é especialmente benéfico aos países da própria UE e outros já desenvolvidos, muitos dos quais já passaram pelo auge do desmatamento e agora restauram suas áreas verdes.
As emendas apresentadas pelo Parlamento ainda seguem para os trílogos – negociações em que Parlamento e Conselho buscarão consenso sobre a proposta da Comissão. Em um primeiro momento, as discussões são marcadas pela discordância do Conselho e da Comissão em relação à proposta apresentada pelo Parlamento, defendendo a perspectiva inicial de alteração exclusiva do prazo de aplicação. Contudo, a proposição de uma nova categoria de risco que permite à UE isentar seus países-membros das obrigações da EUDR é, por si só, um notável aceno ao setor agrícola europeu – que ganhou novo fôlego desde as eleições de junho de 2024, com a diminuição da representatividade do Partido Verde no Parlamento.
Usando como cortina de fumaça o adiamento da EUDR, a os parlamentares europeus ensaiam um esvaziamento estratégico da legislação. A possibilidade de excluir os países do bloco das exigências de due diligence reforça o caráter político, protecionista e discricionário da medida. Resta acompanhar o desdobramento dos trílogos, que definirão tanto a nova data de aplicação da EUDR quanto o futuro da categoria "Risco Zero".
Autores:
Ana Laura Sellmann - Consultora de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados
Tiago Costa Alencar - Estagiário de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados
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