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Um balanço recente da participação brasileira em negociações de Acordos Preferenciais de Comércio (APCs)

 

Nos últimos 15 anos, a dinâmica de estabelecimento de Acordos Preferenciais de Comércio (APCs) passou por transformações significativas, impulsionadas por mudanças econômicas, políticas e sociais em diversas partes do mundo. A legitimação da governança ambiental, social e corporativa (ESG)[1], o crescimento da atenção às micro e pequenas empresas[2] e a crescente digitalização das trocas comerciais[3] levou os países a buscar novos formatos de cooperação e integração. Nesse contexto, os acordos de livre comércio (ALCs) e outras modalidades de APCs têm se tornado ferramentas cruciais para os países, buscando não apenas o estabelecimento de preferências tarifárias, mas também a convergência de regulamentos e normas comerciais. O aumento no número de acordos assinados e registrados na Organização Mundial do Comércio (OMC), reflete essa tendência crescente de busca por integração comercial e aprofundamento da vinculação econômica.


Uma análise do Banco de Dados de Acordos Comerciais Regionais da OMC (RTA Database, em inglês) revela que, desde 2009, o número cumulativo de notificações sobre assinatura ou renegociações de acordos regionais mais que dobrou, indo de 279 para 582[4] até o momento de produção desse artigo. Atualmente, estão registrados na OMC de 374 acordos comerciais regionais em vigor, com uma variedade de formatos, abrangendo desde acordos bilaterais até concertações em bloco. Essa multiplicidade de acordos demonstra a vontade dos países de se adaptarem a um ambiente econômico global em rápida evolução. No entanto, a implementação efetiva desses acordos ainda enfrenta desafios significativos, como a necessidade de coordenação entre os diferentes regimes comerciais e a capacidade de cada país em cumprir as obrigações estabelecidas.


No Brasil, a prevalência de uma política comercial orientada para negociações comerciais multilaterais, manifestadas na participação ativa nas 8 Rodadas de negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e a Rodada Doha da OMC[5], restringiu a participação do país à essa tendência global de acordos regionais. Em lugar disso, o país apostou nos arranjos da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) que viabilizou a construção de facto de uma zona de preferências comerciais na América Latina a partir da pactuação de Acordos de Cooperação Econômica (ACEs) bilaterais entre os países da região. O movimento considerou a proteção e promoção do setor industrial brasileiro a partir do acesso aos mercados regionais menos industrializados, em comparação com outras zonas comerciais mundo afora. Como resultado disso, em 2023, as exportações brasileiras de bens de consumo duráveis e de capital para países da América Latina totalizaram US$ 12,2 bilhões, o que corresponde a mais da metade da pauta exportadora, atingindo 50,9%[6]. Não obstante, essa estratégia não induziu a dinamicidade econômica ao país e gerou tensões e debates internos sobre quais setores deveriam ser priorizados nas negociações.


No âmbito extra ALADI, o MERCOSUL passou a configurar uma plataforma de negociação de acordos comerciais do Brasil, em um contexto desafiador relativo à coordenação dos interesses com a Argentina, Paraguai e Uruguai, e que compromete o bloco como uma ferramenta estratégica. Até o momento, o MERCOSUL possui apenas 5 acordos comerciais regionais assinados com mercados fora da América Latina. Exemplo da morosidade do bloco são os quase 25 anos de negociação de um Acordo Comercial do bloco sul-americano com a União Europeia, cuja conclusão ainda é incerta.


Enquanto isso, grandes zonas de preferência comercial têm sido recentemente pactadas, resultando em crescentes desvios de comércio que serão muito em breve não desconsideráveis para o Brasil[7]. Cabe ressaltar, nesse sentido, o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP, em inglês)[8] e a Parceria Económica Regional Global (RCEP, em inglês)[9] que atestam a migração do eixo comercial global para a Ásia. Em meio ao triunfo dos Acordos Comerciais Regionais, mantem-se paralisada a capacidade negociadora na OMC e cresce a conscientização a respeito da diversificação das cadeias de suprimentos e da necessidade de resiliência nas relações comerciais. O Brasil, diante desse cenário, precisa repensar sua estratégia e priorizar negociações que possam fortalecer sua posição no comércio internacional.


Dessa forma, atualmente, o estado da arte das negociações internacionais sugere a necessidade de uma atuação mais assertiva do país, inclusive a partir do MERCOSUL. Com um potencial significativo para se tornar um bloco econômico mais coeso, faz-se importante encontrar formas de revitalizar as negociações da união aduaneira à qual o país faz parte e concluir acordos com parceiros estratégicos, tanto na América Latina quanto em outras regiões. O sucesso da integração com outros mercados impactará a dinâmica de integração das cadeias de valor do bloco e deverá contribuir com a sua institucionalização e a convergência regulatória entre seus membros. Diante desse cenário, é fundamental que o Brasil e seus parceiros do MERCOSUL adotem uma abordagem proativa e inovadora nas negociações, incluindo os aspectos econômicos, sociais e ambientais desde o princípio das discussões e alinhando-se com as melhores práticas das provisões dos acordos comerciais regionais mais modernos.


Autores:


José Pimenta - Especialista em Comércio Internacional do Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimentos (IBCI)

Danilo Josephat - Consultor de Comércio Internacional na BMJ Consultores Associados



 

[1] ROCHA, Nadia; FERNANDES, Ana. Social and environmental provisions in trade agreements soar. The Trade Post. September 13, 2023. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/en/trade/social-and-environmental-provisions-trade-agreements-soar

[2] MONTEIRO, José-Antonio. Provisions on small and medium-sized enterprises in regional trade agreements. WTO Staff Working Papers, n. ERSD-2016-12, 2016.

[3] MONTEIRO, José-Antonio; TEH, Robert. Provisions on electronic commerce in regional trade agreements. WTO Staff Working Papers, n. ERSD-2017-11, 2017.

[4] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Regional Trade Agreements Data Base. Disponível em: https://rtais.wto.org/UI/PublicMaintainRTAHome.aspx

[5] OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado. Ideias e Interesses na Política Comercial Brasileira: Efeitos sobre as Negociações entre o Mercosul e a União Europeia. Boletim de Economia e Política Internacional, p. 31, 2013.

[6] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). Exportações de bens de capital foram recorde em 2023. 8 de março de 2024. Disponível em: https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/internacional/exportacoes-de-bens-de-capital-foram-recorde-em-2023/#:~:text=Am%C3%A9rica%20Latina%20lidera%20importa%C3%A7%C3%A3o%20de,50%2C9%25)%20em%202023.

[7]SALLES, Marcus Maurer; CARVALHO, Marina Amaral Egydio.  Texto para Discussão (TD) 2855: Os Mega-acordos comerciais e suas redes de acordos prévios: análise comparativa com temas regulados pelos acordos prévios e pela OMC. IPEA. 2023. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11804/2/TD_2855_Sumex.pdf

[8] SALLES, Marcus Maurer; CARVALHO, Marina Amaral Egydio. Nota Técnica n. 62 (Dinte): CPTPP: histórico das negociações e efeitos geopolíticos. IPEA. 2023. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11736/1/NT_62_Dinte_CPTPP.pdf

[9] SALLES, Marcus Maurer; CARVALHO, Marina Amaral Egydio. Nota Técnica n. 64 (Dinte): RCEP: histórico das negociações e efeitos geopolíticos. IPEA. 2023. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11739/1/NT_64_Dinte_RCEP.pdf

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